15/01/2021

Eu Sobrevivi

Nos últimos anos aconteceu bastante coisa. Mas eu sobrevivi.

No início de Fevereiro de 2020 fui parar no hospital com quase todos os sintomas da Covid-19, porém naquela época a gente nem tinha os exames adequados para identificar a doença. Voltei pra casa com um diagnóstico de "virose". Genérico assim mesmo, o hospital nem sequer fez o exame para determinar se era influenza ou não - ou se fez deu negativo, o que aumenta as chances de ter sido Covid-19. 

Pulando para Dezembro de 2020, no dia seguinte ao Natal comecei a apresentar alguns sintomas da Covid-19 novamente, mesmo respeitando o distanciamento social e normas de segurança. Desta vez o diagnóstico da Covid-19 foi confirmado. Pelas contas feitas, provavelmente contraí a doença no dia em que fui a um hipermercado fazer as compras de Natal.

Iniciei um isolamento ferrenho em casa com medidas aumentadas de segurança e higienização. Após pouco mais de duas semanas recebi o diagnóstico negativo para a Covid-19 e também a confirmação de que possivelmente estou imunizado, dada a quantidade de anticorpos que desenvolvi.

Eu poderia colocar outras coisa na conta, como quando tive apendicite em 2010. Afinal de contas, apendicite aguda sem tratamento adequado é fatal em 99% dos casos. Entretanto graças ao diagnóstico rápido da excelente médica que me atendeu na emergência do hospital, se passaram menos de 24 horas entre o início dos sintomas e a minha apendicectomia. De certa forma, pelo menos tecnicamente, posso dizer que sobrevivi.

Poderia ser apenas isso, porém há alguns anos atrás, sobrevivi a outra doença, silenciosa e voraz: a depressão. O meu quadro era bem ruim e foi agravado por estar acontecendo durante um longo e incrivelmente doloroso processo de separação.

Hoje tenho ciência que sempre convivi com a depressão, como se fosse um monstrinho que me acompanhava desde criança e às vezes era forte, mas normalmente eu mantinha calado e sob controle. Um quadro depressivo grave equivale a você se sentir derrotado por este monstro, sem enxergar qualquer perspectiva, esperança ou futuro.

Com a ajuda de uma psicóloga e um psiquiatra incríveis que realmente me escutavam de verdade e de um grupo seleto de pessoas próximas de mim cheias de empatia, amor e compaixão, eu sobrevivi.

Todos os dias leio e ouço as notícias e percebo que milhares de pessoas não tiveram a mesma sorte que eu. Elas não sobreviveram. E no caso destas pessoas, não tiveram as mesmas chances e rede de apoio que recebi, pois dependeram da responsabilidade de nossos governantes.

Claro, os problemas são históricos em muitos casos e não são a responsabilidade de apenas um grupo, como é o caso da crise de segurança pública em cidades grandes que mata tantos inocentes todos os anos e mantém populações das periferias e comunidades em situação de vulnerabilidade social.

Seja através de uma guerra impossível contra as drogas, da expansão de poder das milícias ou da gestão ineficaz das polícias, a responsabilidade recai sobre os governantes municipais, estaduais e nacionais. Recai sobre os parlamentares que em sua maioria apenas olham para seus próprios interesses e perpetuam este sangrento círculo vicioso.

Mas em outros casos, as responsabilidades são mais claras e específicas. O governo do Jair Bolsonaro está matando muitos com sua incompetência. Permitiu o aumento das queimadas na Amazônia e no Pantanal. Incentivou o negacionismo da ciência e da lógica. Incitou parte da população a não seguir protocolos de segurança, através do exemplo sórdido e nefasto deste suposto líder que só sabe discutir gritando e falando mais alto que os outros.

Eu sobrevivi. Mas não posso deixar de questionar quantos mais morrerão implorando pelo simples direito de respirar, seja por falta de oxigênio ou enfrentando tiroteios à porta de suas casas, enquanto estes monstros nitidamente só tem interesse em implementar sua egoísta agenda de poder.

É importante notar que eu só sobrevivi a partir do momento no qual decidi que queria continuar vivendo e buscando a felicidade, seja através da decisão de ir rápido para um hospital ao sentir dor aguda no abdomen e febre alta, seja ao respeitar o distanciamento social e usar a medicação adequada (nada de hidroxicloroquina, antibiótico ou vermífugo) conforme receitado por médicos e médicas sensatas e capacitadas, ou simplesmente olhando em volta e percebendo como o mundo é um lugar onde eu realmente queria estar.

Eu sei que Jair Bolsonaro não vai renunciar. O ego dele é inchado demais para isso. Mas se o Brasil quiser sobreviver e prosperar, ele deve sofrer impeachment o mais rápido possível.

Vamos sobreviver juntos?

Um comentário:

Raquel disse...

É curioso parar para olhar para trás e ver o quanto de merda a gente passou e sobreviveu. Fica parecendo que a vida é um mero desviar de obstáculos o tempo todo. É, também.

Fico feliz que você esteja bem, que tenha sobrevivido a tudo isso. E continuemos sobrevivendo e tentando mudar a realidade das pessoas que cada vez mais correm o risco de não sobreviver devido à incompetência e ganância alheia.