Visita ao Inferno- Oi filhão.
- Pai? O que diabos você está fazendo aqui?
- Resolvi fazer uma pequena visita.
- Mas você me expulsou de casa há milênios atrás!
- Sabe como funciona a coisa, né? Eu sou o Todo-Poderoso, Misericordioso... Ora, eu não posso perdoar meu próprio filho?
- Só que desse jeito você está atrapalhando meus negócios... Estamos no inferno!
- Eu quis fazer uma surpresa.
- Mas meus súditos podem não gostar... Você há de convir que ver Deus caminhando por aqui não é algo muito corriqueiro, certo? Inédito, talvez?
- Ah Lúcio, dê um desconto para os pobres coitados...
- É Lúcifer! Já falei que meu nome é Lúcifer!!!
- Tsc tsc... Você jovens são tão rebeldes...
- Corta o papo e conta logo porque você veio aqui embaixo.
- Bem, estamos com alguns problemas. Aparentemente o eixo da ordem natural das coisas está se desequilibrando.
- E o que eu tenho a ver com isso?
- Você está recrutando almas demais.
- Não é minha culpa se só eu sei trabalhar direito por aqui né? Durma com essa, pai...
- Tudo bem, eu te perdôo.
- Você sempre tem que ter a última palavra, não?
- Lúcio, eu sou A Palavra.
- Se você não parar de me chamar assim, eu não quero saber de conversa.
- Tá bom... Lúcifer...
- Vamos lá. Diga o que você tem em mente.
- O inferno está recrutando almas demais nos últimos dois séculos. Isso causou um grande desequilíbrio, e pode acabar destruindo o mundo. E nós dois não gostaríamos nada disso, certo?
- Estou ouvindo.
- A proposta é a seguinte. Pare de trazer almas para o inferno durante algum tempo, e quando o céu tiver tantas almas quanto há aqui embaixo, você volta à ativa.
- Ah... Não dá para acreditar. Você quer que eu tire férias, é isso? Mas você sabe que eu não vivo sem meu trabalho!
- Considere isso como um favor por todas as guerras que você conseguiu instigar no último milênio, filho.
- Isso foi legal.
- Não foi não! Você jogou a culpa de quase todas elas em cima de mim!
- E isso foi melhor ainda.
- Coloque uma coisa na sua cabeça: a menos que nós dois façamos alguma coisa, tudo vai acabar.
- Hum... E na sua mente onipresente, qual seria a desculpa que a humanidade receberia para essa "interrupção" das minhas atividades?
- Eu pensei em algo novo, completamente inédito: que tal a paz na terra?
- Paz na terra?
- Sim, paz total. Igualdade entre os homens, fraternidade entre as nações. Nada de disputas territoriais, econômicas... E também podemos acabar com a fome e a miséria!
- Ah, você bem gostaria disso, né?
- Não nego que adoraria ver tudo na terra funcionando bem. Mas é apenas temporário, o desequilíbrio para o Meu lado também destruiria o mundo.
- Não esqueça de que eu recruto minhas almas de outras formas mais sutis. Especialmente num mundo onde tudo funciona perfeitamente, a luxúria vai prevalecer.
- Sim, eventualmente algumas almas virão para o inferno. Mas essas você pode deixar aos cuidados dos seus lacaios, certo?
- Eu tenho muitos lacaios. Demônios malditos. E são muito mais espertos e trabalhadores que qualquer um dos seus estúpidos anjos.
- Não vou discutir isso. O nosso objetivo é que apenas você fique fora de ação. Afinal de contas, você é o melhor adversário que um Deus como eu poderia ter... E sabe fazer seu serviço como ninguém.
- Eu me orgulho muito disso, sabia? É o meu pecado favorito!
- Não tenho dúvidas. Então? Vais considerar minha proposta?
- Vou pensar um pouco nela... E te envio um mensageiro alado quando tiver uma resposta.
- Por favor, mande um que não tenha cheiro de enxofre muito forte. Acabei de mandar limpar o céu e isso seria meio desagradável.
- Tá bom pai. É melhor ir agora, as pessoas estão nos olhando.
- Você sente vergonha de mim, filho?
- Claro que não. Eu só te odeio. Meus súditos vão achar que a ordem do inferno está mudando e daqui a pouco vão pedir para terem suas torturas e tormentos eternos aliviados.
- Tudo bem, vou embora agora. Algum recado para alguém que esteja lá em cima?
- Não... Quase todas as pessoas interessantes estão aqui comigo.
- Tudo bem filho. Tenha um bom dia e fique Comigo!
- Argh... Me esqueci que você adora essa piada estúpida...
Visita ao Paraíso- Oi Pai.
- Lúcio! Você está atrasado! Mas seja bem vindo ao Paraíso.
- Em primeiro lugar, eu sou a visita aqui agora. Em segundo lugar, volto para o inferno imediatamente se você continuar me chamando desse nome estúpido.
- Dê graças a Mim que o seu nome não seja Luciomar.
- Você teria feito isso quando eu nasci?
- Não dizem que Deus possui um senso de humor bem sarcástico?
- Estou indo, adeus.
- Não, espere... Lúc...ifer. Vamos conversar. Quer dizer que você aceita o acordo para tirar umas férias temporárias?
- Sim. Vou fechar os portões do inferno durante algumas centenas de anos e parar de assediar almas humanas.
- E já decidiu para onde vais viajar?
- Não sei ainda... Palestina talvez, Iraque ou Rio de Janeiro... Qualquer lugar onde eu me sinta em casa.
- Seu diabinho... Bem. Basta assinar aqui então, e a papelada será enviada para a gerência de Recursos Humanos da Sagrada e Ancestral Congregação da Ordem Universal.
- S.A.C.O.U.?
- Eu não gosto dessas gírias, filho...
- Você vai enviar a papelada para a S.A.C.O.U., seu velho decrépito?
- Oh sim... É, a falta de atividade aqui em cima está me deixando meio enferrujado...
- Antes de assinar, tenho que esclarecer algumas dúvidas. Existem muitos dos meus lacaios na terra. Quem vai cuidar de todos durante a minha ausência?
- Não há problema, eu assumo essa responsabilidade.
- Ah é? E o que você vai fazer com o meus roqueiros e metaleiros? Vai enfiá-los em ternos e forçar todos a cantar músicas do Agnaldo Rayol?
- Ora, o Agnaldo tem uma voz divina...
- Isso mostra o seu mau gosto musical. Diga apenas um bom músico que você tenha patrocinado, em toda a eternidade?
- Johann Sebastian Bach. Ele me adorava, literalmente.
- Ok... E que tal Niccolò Paganini? Eu o patrocinei.
- Tá vendo um homem naquela nuvenzinha à sua esquerda? Ele se chama Ludwig van Beethoven.
- Jimi Hendrix era meu chapa!
- John Lennon usava drogas mas era um bom rapaz e está aqui também.
- Ozzy Osbourne é um dos meus!
- O Ozzy ainda está vivo meu filho...
- Mas nem parece. Vê como eu faço meu trabalho bem?
- Qual é o seu ponto, afinal de contas?
- Eu quero que meus súditos, ou futuros súditos, tenham seu direito de liberdade de expressão garantidos. É imperativo que suas crenças e gostos sejam aceitos aqui em cima também.
- Ah filho, isso vai ser meio difícil... Imagine a bagunça que vai virar o Paraíso?
- Se vira, Deus.
- Você sabe que eu sofro de insônia. Se isso aqui ficar cheio de gente berrando, tocando guitarra, buzinando, fazendo... Aquilo-que-você-sabe-muito-bem-o-quê-é...
- Sexo?
- Shhh... Não fale essa palavra alto por aqui...
- Qual palavra, SEXO?
- É, isso aí. A população residente pode se lembrar de como era bom e querer fazer de novo.
- E qual é o problema das pessoas quererem fazer SEXO?
- Ora, você sabe o que dizem... Os anjos não tem sexo... E todos que vêm para cá viram anjinhos com asinhas e auréolas douradas.
- Deixe de ser hipócrita... Eu era um anjo e tenho sexo sim. E é bem grande, vou até mostrar para aquela gracinha de anjinha que está passando ali. Neném? Psiu? Olha aqui pro papai...
- Pare de assediar a Joana D'Arc, Lúcifer!
- Bem que eu lembrava dela de algum lugar...
- Ok, eu aceito. Vou criar uma área de recreação especial aqui no Paraíso, quem quiser realizar atividades... Mundanas... Poderá se encaminhar para lá.
- Sério?
- Palavra de Deus.
- Então onde é que eu assino?
- Aqui... E aqui... Aqui também... Aqui é só rubricar... Pronto. Se sente mais leve?
- Já me sinto entediado... Posso ficar aqui por uns tempos, até me acostumar com a idéia?
- Não!
- Ah, qual é?! Só por umas décadas, paizão...
- Não, não e não. Que espécie de influência negativa você teria aqui neste lugar?
- Mas eu estou com saudades de casa...
- É sério filho?
- Não, eu estou mentindo. Vê? Já estou com vontade de trabalhar de novo.
- Tá bom, pode ficar então... Mas é só por duas décadas, ok?
- Prometo que não vou criar problemas.
- Posso acreditar na sua palavra?
- Não.
- Você é incorrigível, Lúcifer.
- Mas se você me apresentar àquela senhorita ali talvez eu me comporte um pouquinho, Deus...
- Não acredito que vou fazer isso... Ei, você pode vir aqui rapidinho, Joana?