20/07/2005

A ética é mais doce do que parece

Quando criança, havia um filial das Lojas Americanas em frente ao colégio no qual estudava, no calçadão de Campo Grande, Rio de Janeiro. Como todo mundo deve saber, essas lojas normalmente tem uma grande seção de doces, com várias gôndolas repletas de balas. Na minha infância oitentista não existiam fitas magnéticas para impedir o roubo de produtos, mas de qualquer forma, quem seria insano o suficiente para etiquetar magneticamente mais de mil balas que custam cinco centavos cada? Mesmo assim, ao longo dos quatorze anos que passei em Campo Grande, nunca vi um amigo ou amiga de escola roubar uma bala sequer.

Me mudei para Niterói, onde de fato iniciou-se minha adolescência. Logo formado um pequeno grupo de amigos, descobri uma das maiores diversões da puberdade: passear no shopping center de tarde. Lá ia eu, com todo o pessoal ao Plaza Shopping, onde não por acaso existe uma filial das Lojas Americanas. Eis que descubro outra diversão dos jovens niteroienses: entrar lá e surrupiar balas, debaixo das barbas dos seguranças. Me diziam que era comum, chegaram às raias da canastrice, falando que "as balas estavam ali para serem roubadas", ou que era "obrigatório entrar na Lojas Americanas e não sair de mãos vazias".

Ainda em Niterói, a "cidade sorriso", cresci e amadureci (sic). Aos vinte e dois anos de idade, conheço uma garota linda, de belo sorriso, inteligente pacas e completamente louca. Foi paixão à primeira vista, e namoro um mês depois. Numa de nossas andanças pelo centro da cidade, eis que nos deparamos com... Uma filial das Lojas Americanas. Não podia dar outra! Após sairmos da loja, ela me mostra sua bolsa cheia de balas, habilmente surrupiadas pois eu sequer vi quando ela fez aquilo!

Hoje tenho vinte e seis anos, quase vinte e sete. Divido meu tempo entre três cidades, um emprego, uma faculdade, família, uma namorada linda e amigos, muitos e bons amigos. E não consigo evitar uma sensação estranha toda vez que entro nas Lojas Americanas, que não chega a ser uma compulsão, mas um leve desejo... Que rapidamente é sobrepujado pela voz da razão. É impossível, é inaceitável, afinal de contas. E se algum dia tiver filhos, ensinar-lhes-ei princípios éticos baseados nessa simples premissa: eu nunca roubei balas das Lojas Americanas.

Não fui claro? Uma bala custa apenas cinco centavos. Noutro dia um sujeito de índole (agora sob) suspeita foi pego num aeroporto com cem mil dólares na cueca. Com essa grana dá pra comprar quase cinco milhões de balas. Cinco milhões de unidades de balas das Lojas Americanas. Se você for íntegro bastante para não roubar uma bala de cinco centavos, jamais pensará na hipótese de roubar uma quantia maior.

O que me leva a outro pensamento: as filiais das Lojas Americanas em Brasília devem sofrer prejuízos enormes nos seus estoques de balas...